terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Frente e verso de um papel

Nunca atrasado, mas nunca muito cedo, todo dia ele está lá. Chega devagar, a passos difíceis, e cumprimenta apenas quem o faz primeiro. Não fala bom dia, apenas acena lentamente com a cabeça. Coloca seu material na mesa, sempre de acordo com o mapa de sala, para só então ir em direção à mesa do professor. Encosta ela no quadro e se senta com as pernas cruzadas sob ela.

Fica lá até o toque, com ou sem a companhia de alguém, já que ele não é de conversar muito. Sai antes que o professor o note e volta para sua carteira, onde se acomoda no seu casaco eterno. Raramente o empresta a alguém, são poucas as vezes que ele oferece o casaco a uma amiga. Mesmo em dias de calor, ele veste o casaco como se fosse uma rotina. Não dorme em sala de aula, até onde eu sei, mas quase sempre está de cabeça baixa.

A cabeça baixa passa muito tempo virada para o lado. Ele vê a menina de cabelos dourados, move a vista para a menina de olhos verdes e logo depois balança a cabeça, como se negasse uma pergunta inexistente. Volta a atenção ao quadro e repete isso por horas, como um ritual. Aprende como nenhum outro, mas apenas uma parte do conteúdo. Não é lá de tirar notas boas, mas sempre consegue passar. Não participa das aulas, apesar de ter adquirido a mania de fazer comentários em excesso durante determinados horários. Cansou e parou com isso, viu que incomodava.

No intervalo, ele se levanta, mas não sai da sala, ao contrário do que todos fazem. As vezes volta para a mesa do professor, mas nem sempre. Por puro acaso, ele saiu da sala e se aproximou de mim, como se chamasse para conversar. Falei do PSS, do vestibular, da minha mãe, das minhas férias, do inglês, de Ramon, da natação, falei sobre vários assuntos. Falou pouco, concordou comigo e disse bem suas opiniões. Logo voltou para a sala porque o intervalo acabou.

Não se levanta durante a troca de professores, a menos que seja realmente necessário. Não costuma reclamar do tempo, porque ainda tem muito pela frente, já que ele precisa ir no transporte escolar. Assim que entra no carro, escolhe o primeiro banco, o mais perto da porta, e se senta. Abre e fecha ela a cada pessoa que entra, como se fosse uma obrigação imposta a ele. Só responde, não pergunta, mas não deixa de falar com os outros, porque nunca leva música para ouvir.

Espera pacientemente até chegar em sua casa. Desce do carro sem pressa, com um ar de preocupação, dúvida ou mesmo dor, mas não olha para trás. Isso, claro, todo dia. Todo dia.

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